domingo, 11 de março de 2012

MATÉRIA COM O GRÃ MESTRE ÍNDIO É DESTAQUE NO JORNAL DO ESTADO O TRIBUNA DO NORTE


 No compasso do mestre.
Jornal Tribuna do Norte
Publicação: 11 de Março de 2012 às 00:00
Repórter Felipe Gurgel




             A história da capoeira se confunde um pouco com a do potiguar Cícero Alves do Nascimento. A luta foi criada pelos escravos africanos ainda no século XVI, que precisavam se defender dos capitães do mato, no tempo da escravidão. Para Nascimento, o contato com a capoeira não foi para praticar um esporte e sim, para aprender a lutar e se vingar dos homens que assassinaram seu pai, em Pitangui, praia de Extremoz, região metropolitana de Natal. "Infelizmente, procurei a capoeira para outros fins e não para o que realmente ela serve, que é o esporte, inclusão social, dança, música. Graças a Deus, a capoeira mudou completamente a minha cabeça e meu modo de ver o mundo", revela Alves, mas, mais conhecido como Mestre Índio.

Rodrigo Sena
Um dos ícones da capoeira no RN, com mais de 40 anos praticando e ensinando o esporte, Mestre Índio revela sua paixão pela modalidade
Para saber um pouco mais desse desportista que mudou a forma como a sociedade via os capoeiristas, é preciso voltar 40 anos no tempo, quando ele, aos 11 anos, teve que se mudar para São Paulo com a família. Foi lá que conheceu o esporte. Seu primeiro contato com a dança/esporte foi em 1973, com o Mestre Dorival, do grupo Bantu de Angola, na capital paulista. Com a constante mudança de endereço em São Paulo, Cícero Alves do Nascimento foi obrigado a mudar de grupo e passou a frequentar as rodas de capoeira do Mestre Adjani Pineti, isso em 1975.

Nessa época, o Mestre Índio ainda era apenas um aluno de capoeira. Mas, tudo começou a mudar quando ele, em uma viagem de férias para Natal na década de 80, ficou na casa da avó, no bairro das Rocas, em São Paulo fazia muito frio e na capital do Rio Grande do Norte estava fazendo calor, Nascimento tomou a decisão que mudou sua vida: optou por abandonar o emprego que tinha na capital paulista e voltou a morar na sua cidade. "Não voltei para São Paulo nem para dar baixa na minha carteira de trabalho. Não me preocupei com nada de lá.  Só não voltava para aquele frio de jeito nenhum", relembra.

 Mas, se morar em Natal poderia ser uma mudança na vida de Mestre Índio, viver no bairro das Rocas não estava sendo nada bom. O crescente número de gangues e as brigas entre os adolescentes das comunidades vizinhas, como Mãe Luiza, incomodava o capoeirista, que teve uma iniciativa pioneira em Natal: montar um grupo com jovens em situações de risco, para tentar ocupar o tempo ocioso dos adolescentes.

"Fiquei preocupado com toda aquela violência, brigas, que estavam acontecendo com os jovens da nossa cidade e decidi criar o grupo Terra do Sol, de capoeira, para ensinar aos jovens, dar a eles uma ocupação. E o retorno foi o melhor possível. Os jovens dos outros bairros, que viviam em confronto com os moradores das Rocas, vieram treinar com a gente. Aquilo foi ótimo, já que eles foram desenvolvendo uma amizade, que  fez com que as brigas de gangues praticamente acabassem", afirma Mestre Índio.

O grupo Terra do Sol existe até hoje. Com quase 30 anos de história, a roda de capoeira criada por Mestre Índio ultrapassou as barreiras de Natal e já conta com alunos em diversas cidades e estados. "O Terra do Sol cresceu bastante nessas décadas. Já temos grupos na Paraíba, Ceará, Pernambuco, além de cidades vizinhas a Natal. O litoral norte e o sul do Rio Grande do Norte também fazem parte do nosso grupo. Além disso, meu filho tem um grupo que dá aula na praia de Pipa e em Tibau do Sul. A capoeira conseguiu se livrar do preconceito e agora está em todos os lugares", disse.

Perguntado se existia a possibilidade de algum dia se aposentar da capoeira, o Mestre Índio foi taxativo na sua resposta. "Isso não vai acontecer nunca", afirmou, para depois continuar na sua resposta. " Não sei o que faria longe da capoeira. Ela me ensinou e me deu tudo que tenho hoje em dia. Digo que a capoeira não é só um esporte, uma dança. É muito mais que isso. Às vezes estou para baixo, preocupado com alguma coisa e é só tocar no berimbau que tudo muda, o sangue ferve, esqueço de tudo e naquele momento, me transformo em uma pessoa completamente despreocupada com o mundo. O que interessa é estar na roda, jogando a capoeira", revela.

Preocupação com o futuro da capoeira

Com quase 40 anos na capoeira, o Mestre Índio viu algumas mudanças na dança/esporte acontecer ao longo de quase quatro décadas. Assim como todo esporte, as transformações são importantes, para que a técnica vá se aperfeiçoando, mas, de acordo com o Nascimento, nem todas as alterações foram benéficas para a luta marcial. "É difícil dizer o sistema de graduação utilizado na capoeira hoje em dia. Cada grupo, praticamente, tem o seu estilo de graduar os alunos. Isso é complicado, porque não se pode ter uma base do nível do esporte, já que de roda em roda existe vários tipos de cores dos cordões ou corda. Isso não é bom", afirma Índio.

De acordo com ele, a capoeira começou com apenas quatro cordas, que representavam as cores da bandeira do Brasil: verde, amarelo, azul e branco. Essa última era o mais alto nível de graduação. Mas, com a reclamação por parte de alguns grupos, o sistema foi mudando e as cores também. Ficou decidido que as cordas iriam obedecer as cores da história dos negros e o vermelho e preto foram inseridas. "Hoje, tem grupos que usam apenas quatro cordas e outros que usam 21. Só aí você vê a diferença das coisas. Ninguém está preocupado com a capoeira de uma maneira geral e sim, só com os seus grupos", revela Mestre Índio.

E essa falta de companheirismo entre os grupos de capoeira só está enfraquecendo a arte fora do Brasil. Segundo Cícero, já existe um movimento na Europa para transformar a dança/esporte em Patrimônio Imaterial da Cultura. " Se isso vier a acontecer, vamos perder toda a nossa história de uma arte genuinamente brasileira e não podemos deixar que isso aconteça", afirma.

Para que isso não aconteça, o Mestre Índio está tentando internacionalizar o seu grupo, Terra do Sol. Só assim, de acordo com o seu pensamento, a capoeira tem capacidade de continuar sendo uma arte do Brasil. "Hoje em dia, os europeus não estão mais importante os mestres de capoeira do Brasil. Não podemos deixar que eles tomem a capoeira ", finalizou.

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